7 de abril de 2011

Primavera II

*beep*...*beep*...*beep*..."O número para que ligou não tem voicemail activo, por favor ten…"
A frustração faz-me pressionar o botão com mais força do que a necessária e desligo a chamada. "Mas por que raio é que ela não atende?" Penso eu.

Procuro os bolsos para me certificar que não me falta nada. Carteira… ok. Prenda… ok. Chaves de casa… ok. Chaves do carro… ok. Telemóvel… Telemóvel? Por uma fracção de segundo o desespero e confusão juntam-se às outras centenas de emoções que percorrem o meu corpo e mente neste momento até que olho para a mão e vejo o item em falta. Telemóvel… ok. Estou pronto para me atirar ao mundo.

Rodo a chave e, em sintonia com o clique, rodo o puxador, o sol entra sem ser convidado como um amigo abusador e preenche o meu hall de entrada. A sua luz produz o mesmo efeito nos meus olhos e por momentos a única coisa que vejo, cheiro, oiço e sinto é a cor branca. A pouco e pouco começo a recuperar o controlo dos sentidos, um a um eles voltam a mim e permitem-me apreciar o cenário deslumbrante à minha frente. A primeira coisa que sinto é o calor do sol a dizer-me que devia deixar a camisola em casa, ao que acabo por desobedecer. Segue-se o chilrear das andorinhas, pardais, melros e demais pássaros que povoam as árvores carregadas de flores cujo aroma acciona o sentido seguinte. Por fim sou capaz de vislumbrar tudo o que os outros sentidos já tinham saboreado e perco-me sem memória e sem movimento e sem a sobredosagem de emoções.

Quando finalmente me volto a encontrar olho para o relógio preso ao meu pulso e todas as emoções voltam naquele instante com um impacto tão grande que o meu corpo, quase sem tempo de fechar a porta atrás dele, é levado em direcção ao carro como se por uma onda gigante estivesse a ser arrastado.

Antes de entrar, apercebo-me do reflexo no tejadilho preto do carro do céu onde vive o radiante sol e as poucas nuvens que sem nunca ocultar a grande esfera brincam à sua volta e, sem eu dar por isso, um sorriso abre-se na minha cara e surge o pensamento mais inesperado na minha pessoa. Tão inesperado que consegue escapar por entre o sorriso e fazer-se ouvir:

O mundo é lindo.